Como fazer sucessão familiar na agricultura?

Legenda: Otávio com a esposa Clarissa Morum de Queiroz e os três filhos: Marcela Queiroz Figueiredo, Otávio Queiroz Figueiredo e Vitória Queiroz Figueiredo.

A sucessão familiar é um dos temas mais sensíveis e, ao mesmo tempo, mais determinantes para o futuro das propriedades rurais. Afinal, quem vive o agro sabe que o trabalho no campo é uma tradição que vai muito além da produção. É história, raiz e continuidade. Mas, para que esse legado siga firme nas próximas gerações é preciso planejamento, diálogo e preparo.

Conforme o levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq-USP, o agronegócio brasileiro registrou um resultado de R$ 2,72 trilhões em 2024, que representa mais de 24% do PIB nacional. No entanto, a dificuldade em renovar as lideranças no campo coloca em risco a continuidade das atividades produtivas e enfraquece as estruturas que sustentam a vida nas comunidades rurais.

Por isso, hoje vamos falar sobre sucessão agrícola e explicar como o processo pode ser conduzido com planejamento e harmonia dentro das famílias. Também vamos conhecer a experiência do cafeicultor Otávio Figueiredo Josué, de Patos de Minas (MG), que compartilhou conosco a sua visão sobre os desafios e as lições de quem já está vivenciando esse processo. Continue a leitura! 

O que é sucessão familiar no agronegócio?

A sucessão familiar no agronegócio é o processo de transferência da gestão, do patrimônio e das responsabilidades de uma propriedade rural de uma geração para outra dentro da própria família. Muito além de uma simples mudança de titularidade, ela envolve o preparo dos futuros gestores, a partilha de conhecimentos acumulados e o alinhamento de expectativas entre pais e filhos.

Na prática, trata-se de um movimento planejado que busca garantir que os negócios da família continuem em boas mãos, mesmo após a saída ou aposentadoria dos atuais gestores. A sucessão pode ocorrer aos poucos, com o envolvimento gradual dos herdeiros nas decisões estratégicas, ou de forma abrupta, quando há uma situação inesperada.

O mais importante aqui é entender que a sucessão agrícola não se resume à transferência de bens, ela é também uma passagem de valores, visão de futuro e compromisso com o campo. E, quando bem estruturada, é capaz de assegurar a prosperidade da fazenda por muitas gerações.

Diferença entre sucessão, herança e continuidade produtiva

No contexto rural, é comum que os termos sucessão, herança e continuidade produtiva sejam confundidos. No entanto, eles representam conceitos diferentes e cada um exige uma abordagem específica dentro da gestão da propriedade.

Sucessão 

Como você viu antes, a sucessão é o processo planejado e progressivo de transição da gestão e das decisões da propriedade para a próxima geração. Envolve preparo técnico, divisão de responsabilidades, diálogo familiar e uma visão estratégica de longo prazo. O foco está em manter o negócio vivo, produtivo e organizado ao longo do tempo.

Herança 

A herança se refere à transferência legal dos bens após o falecimento dos atuais proprietários. É um ato formal, previsto em lei, que trata apenas da partilha patrimonial. Quando não é acompanhado de um processo de sucessão, a herança pode gerar disputas familiares, paralisação das atividades e até perda de produtividade.

Continuidade produtiva 

A continuidade produtiva diz respeito à manutenção das atividades agrícolas da propriedade, mesmo durante ou após uma transição de liderança. Ela pode ocorrer tanto com herdeiros familiares quanto com gestores externos, desde que haja uma estrutura administrativa sólida e visão de futuro.

Qual a importância da sucessão familiar no campo?

A sucessão familiar na agricultura é, acima de tudo, uma questão de sobrevivência do campo. O Brasil perdeu cerca de 4,3 milhões de moradores da zona rural entre 2010 e 2022, conforme aponta o IBGE

Esse número representa as pessoas que migraram para as cidades e também revela um enfraquecimento silencioso do interior, com propriedades ficando sem mãos para tocar o trabalho e comunidades inteiras perdendo vitalidade econômica e social. 

Quando analisamos que apenas 30% das fazendas familiares conseguem ser mantidas pela segunda geração e somente 5% ultrapassam a terceira, o alerta se intensifica. 

Esses dados mostram que, sem um plano claro de sucessão, mesmo propriedades produtivas e financeiramente saudáveis podem desaparecer. Por isso, falar de sucessão agrícola hoje é falar de estratégia de longo prazo para o agronegócio brasileiro.

E quais são os benefícios de um processo de sucessão bem executado?

Quando a sucessão familiar na agricultura é feita de forma estruturada, com diálogo, capacitação e clareza de papéis, deixa de ser uma fonte de tensão para se tornar uma alavanca de crescimento e inovação.

Além da continuidade das atividades no campo, o processo bem conduzido fortalece os vínculos familiares, organiza a gestão do negócio e prepara os novos líderes para enfrentar os desafios do agro com mais preparo e visão estratégica.

Conheça os principais benefícios:

  • Preservação do patrimônio familiar e da autonomia financeira da propriedade;
  • Transição planejada que evita perdas e rupturas;
  • Redução de conflitos familiares com definição clara de funções e responsabilidades;
  • Valorização da experiência dos mais velhos e da inovação dos mais jovens;
  • Fortalecimento da identidade rural e do vínculo com a terra;
  • Maior profissionalização da gestão, com foco em resultados;
  • Estímulo ao engajamento dos jovens no campo e na continuidade do negócio.

Sucessão familiar: principais desafios

Não há como falar de sucessão familiar sem reconhecer a complexidade desse processo. O agricultor Otávio Figueiredo Josué, que compartilhou sua experiência conosco, resume bem a realidade: “agricultura familiar ou empresarial é viver em constante desafio, dia, tarde e noite!“. 

Otávio destacou ainda a exigência de lidar com relações humanas, clima, manejo, operações de campo, finanças e muito mais — todos fatores que se intensificam quando somados ao processo de sucessão. E, como ele mesmo aponta, ainda vivemos um contexto em que a sucessão é dificultada pelo desinteresse dos filhos, pela burocracia e pelos desafios econômicos.

Legenda: Otávio Figueiredo Josué, cafeicultor residente em Patos de Minas (MG), com propriedades em Tiros (MG) e Varjão de Minas (MG).

A seguir, vamos analisar os principais obstáculos enfrentados pelas famílias rurais nesse caminho de transição:

Falta de planejamento

Muitos produtores evitam o tema, adiando conversas difíceis com os filhos ou esperando o “momento certo”, que raramente chega. A procrastinação cria um ambiente de incerteza, que pode prejudicar tanto a gestão do negócio quanto os laços familiares.

Sem um plano bem definido, a sucessão muitas vezes acaba acontecendo de maneira forçada, gerando sobrecarga para os herdeiros e conflitos entre os membros da família. 

Planejar com antecedência possibilita distribuir tarefas gradualmente, organizar as questões jurídicas e patrimoniais, e manter a propriedade produtiva durante a transição.

Conflitos familiares e escolha dos sucessores

Diferenças de visão, ressentimentos e disputas por reconhecimento acabam tomando o lugar do diálogo e da cooperação, o que se intensifica em famílias numerosas, nas quais há vários herdeiros e nenhum consenso sobre quem deve liderar a nova fase da propriedade.

A escolha dos sucessores exige maturidade, análise de perfil e, principalmente, respeito aos desejos e vocações individuais. Quando essa decisão é feita de forma transparente e participativa, com base em critérios objetivos e não só afetivos, o processo fica mais leve e justo para todos.

Falta de capacitação dos sucessores

Um erro comum é assumir que quem cresceu no campo já está pronto para gerenciar uma propriedade, quando na verdade, a gestão rural exige muito mais do que saber plantar ou colher: é preciso dominar finanças, lidar com fornecedores, tomar decisões estratégicas e acompanhar o mercado.

Por isso, capacitar os futuros gestores desde cedo, com experiências práticas e formação técnica, é o que de fato garante uma transição sólida. E aqui, é preciso incluir tanto o conhecimento sobre o negócio quanto o desenvolvimento de outras habilidades, como liderança, organização e tomada de decisão.

Disputas por herança e problemas fiscais e financeiros

A sucessão familiar mal estruturada desencadeia uma série de problemas legais e tributários. Sem documentação em dia, acordos formais e partilhas definidas, muitos produtores acabam vendo seus bens bloqueados ou enfrentando processos judiciais que paralisam as atividades da fazenda.

Além disso, os custos com impostos de transmissão, taxas cartorárias e eventuais dívidas acumuladas podem comprometer seriamente o capital da propriedade. O ideal é que tudo isso seja previsto e organizado ainda em vida, com apoio jurídico e contábil especializado.

Desinteresse dos sucessores

Talvez o maior dos desafios seja este: quando os filhos não querem seguir no campo. O mundo urbano, com suas promessas de conforto e oportunidade, muitas vezes seduz os jovens, que não enxergam na agricultura um projeto de vida viável e atrativo.

A falta de conexão com o campo pode significar o fim da propriedade familiar. Por isso, é fundamental envolver os filhos desde cedo, mostrar os resultados do trabalho, as possibilidades de crescimento, e dar espaço para que eles contribuam com novas ideias, especialmente no uso de tecnologias e gestão moderna.

Mulheres na sucessão: reconhecimento e protagonismo no agro

A presença feminina no agronegócio brasileiro vive um momento de afirmação e crescimento. Hoje, as mulheres já representam quase um terço dos profissionais do setor, conquistando espaço em áreas estratégicas da produção e da gestão no campo. Esse avanço, embora expressivo, ainda esbarra em barreiras históricas, sobretudo no que diz respeito à sucessão familiar.

Em muitas propriedades, mesmo com formação técnica sólida e experiência direta na lida rural, as mulheres seguem sendo preteridas no processo sucessório, com a liderança sendo atribuída automaticamente aos herdeiros homens. A exclusão silenciosa compromete a equidade, a eficiência e a continuidade dos negócios familiares.

Apesar dos obstáculos, mais de um milhão de mulheres já estão à frente de propriedades rurais no Brasil, segundo dados do Censo Agropecuário. Outras centenas de milhares compartilham a gestão das fazendas com familiares, participando ativamente das decisões técnicas e estratégicas. 

O protagonismo vai além do Brasil: estimativas internacionais apontam que quase metade dos pequenos produtores no mundo são mulheres, o que evidencia sua relevância para a segurança alimentar global.

O impacto feminino também se reflete na sustentabilidade e na renda rural. Programas recentes têm fortalecido a atuação das mulheres no campo por meio de iniciativas que valorizam a agroecologia e a produção diversificada. Entre os investimentos mais relevantes está a criação de quintais produtivos com enfoque sustentável, em hortas, criações de pequeno porte e cultivo de plantas medicinais.

Esse papel é ainda mais evidente quando observamos a contribuição das mulheres para o sustento das famílias: elas são responsáveis por mais de 40% da renda familiar no meio rural, e esse número é ainda maior em algumas regiões do país. Esses dados confirmam que a mulher rural não só trabalha na produção, mas sustenta financeiramente e organiza a estrutura da propriedade.

Diante desse cenário, incluir as mulheres nos processos de sucessão não é só uma questão de correção histórica, mas uma decisão estratégica. Quando a sucessão reconhece e valoriza o preparo e a liderança feminina, as propriedades se tornam mais resilientes, modernas e alinhadas com as demandas de um agro sustentável e inovador.

Dicas para obter sucesso na sucessão familiar rural

Não existe uma receita pronta para fazer uma boa sucessão familiar, visto que cada propriedade tem sua história, dinâmica e desafios. Mas existem caminhos que ajudam a tornar esse processo mais leve e eficiente. 

O agricultor Otávio Figueiredo Josué resumiu, com simplicidade, o que move quem insiste em manter o campo vivo:

Estou tentando manter meus filhos próximos dos negócios para pegarem amor pelo campo… A única dica que posso dar é que ‘nada resiste a um bom trabalho’. Trabalhar, dedicar, caprichar e acreditar (rezar)!

Legenda: Otávio com a esposa Clarissa Morum de Queiroz e os três filhos: Marcela Queiroz Figueiredo, Otávio Queiroz Figueiredo e Vitória Queiroz Figueiredo.

Com base nesse relato e na experiência acumulada no setor, listamos abaixo algumas estratégias para que a sucessão ocorra com mais harmonia e propósito.

Fale com a família e exponha o desafio para todos

A sucessão começa pela conversa franca e aberta. Os atuais gestores devem reunir a família para apresentar a realidade da propriedade, os planos para o futuro e as dificuldades envolvidas. Isso não significa impor decisões, mas sim convidar todos a participar de um projeto coletivo.

É nesse diálogo que surgem os primeiros acordos e entendimentos, e cada membro pode expressar seu interesse, expectativas e limites. Quando todos conhecem o tamanho do desafio e se sentem parte dele, fica mais fácil construir um processo de sucessão sólido e transparente.

Capacite os possíveis sucessores

Muitos jovens até demonstram interesse pela vida no campo, mas se afastam por falta de preparo ou incentivo. Por isso, também é necessário investir na formação técnica e prática dos sucessores, com:

  • Cursos técnicos em agropecuária, gestão rural ou agronomia;
  • Vivências em cooperativas, empresas agrícolas ou consultorias;
  • Participação nas decisões e nos planejamentos da fazenda;
  • Estímulo à leitura e ao uso de tecnologias aplicadas ao agro.

Quanto mais capacitado o sucessor, maiores as chances de que ele contribua ativamente para a evolução do negócio.

Inicie um processo transitório

Sucessão não é uma troca de comando brusca. Ao contrário, ela deve ser um processo gradual e bem acompanhado. Os pais ou atuais gestores devem incluir os filhos aos poucos nas decisões, delegar responsabilidades e acompanhar de perto seus primeiros passos.

A transição permite que os erros sejam corrigidos a tempo, que as dúvidas sejam discutidas com quem tem mais experiência e que o vínculo com a terra se fortaleça dia após dia. É nesse convívio que se dá a transmissão dos valores e da visão de negócio que sustentam a propriedade.

Esteja sempre pronto para orientar

Mesmo após começar a transferência das responsabilidades, o papel do gestor mais experiente continua sendo indispensável. Orientar, ensinar e compartilhar aprendizados são formas de reforçar a confiança dos sucessores e manter viva a cultura da fazenda.

A presença ativa, sem ser controladora, ajuda a construir uma relação de parceria entre as gerações —  algo que aumenta a coesão familiar e fortalece a estrutura do negócio rural.

Se necessário, busque uma consultoria de sucessão familiar

Muitas famílias encontram dificuldade para lidar com os aspectos técnicos, jurídicos ou emocionais da sucessão. Nestes casos, é importante contar com uma consultoria especializada para organizar a transição com segurança e objetividade.

Profissionais com experiência em sucessão familiar rural ajudam na elaboração de planos patrimoniais, na mediação de conflitos e na estruturação da nova gestão. É um investimento que pode minimizar prejuízos, proteger o patrimônio e garantir a paz entre os membros da família.

Dica final: nunca descuide da gestão no agronegócio

Se há uma lição que fica óbvia em todas as histórias de sucessão bem-sucedida, é esta: o futuro da propriedade não depende só de quem assume, mas de como ela será administrada daqui para frente. A continuidade do negócio exige preparo, mas também estratégia, visão de mercado e gestão eficiente.

O agricultor Otávio Figueiredo Josué, ao contar sua trajetória, reforça esse ponto:

“Sou bisneto de agricultores (provavelmente até mais gerações) e cresci no meio rural junto aos negócios da família. Fiz Agronomia… trabalhei em multinacionais e sempre empreendi no agro.”

Legenda: João Josué Filho, pai de Otávio: exemplo de quem construiu no campo um caminho que hoje inspira a continuidade familiar.

Essa vivência mostra que tradição por si só não traz resultado, é preciso profissionalizar a administração para manter a propriedade competitiva, rentável e sustentável ao longo das gerações.

Por isso, se você está pensando em iniciar ou fortalecer a sucessão empresarial no campo, aproveite e confira também o conteúdo exclusivo que preparamos: Administração rural: 12 dicas para ganhar dinheiro no agro.

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